“Criança é assim mesmo?” Nem sempre. Como diferenciar birra de um possível transtorno?
Essa é uma frase que muitos pais ouvem quando relatam comportamentos desafiadores dos filhos. De fato, é natural que crianças pequenas testem limites, se frustrem com regras e expressem suas emoções de forma intensa. A birra, por exemplo, é um comportamento esperado, especialmente entre 1 e 4 anos, como forma de lidar com sentimentos ainda imaturos e dificuldades de comunicação. Com o tempo, o afeto, a firmeza e a rotina ajudam a criança a amadurecer e a compreender melhor o mundo à sua volta. Mas nem todo comportamento desafiador é apenas uma fase passageira. Quando episódios de raiva se tornam muito frequentes, desproporcionais e começam a atrapalhar o convívio familiar, escolar ou social, pode ser sinal de algo que vai além da birra comum.
É preciso observar o contexto, a intensidade e a repetição dessas atitudes. Crianças que têm explosões de agressividade fora de hora, não respondem a orientações simples, demonstram pouca empatia ou têm dificuldade de se relacionar, podem estar apresentando sinais de transtornos do comportamento ou do neurodesenvolvimento, como TDAH, transtorno opositor desafiador (TOD) ou até mesmo quadros dentro do espectro do autismo. A diferença principal é que a birra tem começo, meio e fim; acontece em situações específicas e tende a melhorar com o tempo. Já os transtornos apresentam um padrão repetitivo e interferem em várias áreas da vida da criança, prejudicando seu aprendizado, suas relações e sua autoestima.
É claro que nenhuma avaliação deve ser feita com base em um único episódio ou julgamento apressado. Crianças são intensas por natureza, e fases difíceis fazem parte do processo de crescer. No entanto, quando os comportamentos fogem do que é esperado para a idade, ou causam sofrimento para a criança ou para quem convive com ela, é importante buscar orientação profissional. O olhar da família, aliado ao acompanhamento médico e pedagógico, é fundamental para compreender se é apenas uma fase ou se há algo a mais que precisa de cuidado.
Nem toda criança “difícil” tem um transtorno, mas também nem todo comportamento inadequado pode ser tratado apenas com broncas ou paciência. O equilíbrio está na escuta, na presença afetiva, na clareza dos limites e, quando necessário, na intervenção especializada. Cuidar da saúde emocional desde cedo é um investimento para a vida toda. Criança não é miniatura de adulto: é um ser em formação que precisa de tempo, espaço, segurança e, acima de tudo, compreensão.
Como médica com atuação na infância, costumo dizer que toda criança sente, reage e erra — isso é humano. Mas quando o comportamento interfere no desenvolvimento ou nos vínculos, não é exagero procurar ajuda. Ao contrário: é um gesto de amor.
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